Especialista em peixes aponta risco em construção de barragens no Rio Madeira

Para o pesquisador Flávio Lima, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, a construção de barragens no Rio Madeira teria impacto negativo sobre a população de um dos peixes de maior importância comercial da Amazônia: a dourada, que, além de ser amplamente consumida nas grandes cidades do Norte, tem consumo em outras regiões do país e no exterior.

O governo federal quer construir no rio, em Rondônia, duas hidrelétricas (Jirau e Santo Antônio), com 6.450 megawatts no total – aproximadamente metade da potência de Itaipu, a usina mais potente do país. A obra depende da concessão de licença prévia pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que, em 23 de abril, publicou parecer recomendando a não-emissão da licença e pedindo a elaboração de um novo estudo de impacto ambiental (EIA).

De acordo com o documento do Ibama, os estudos feitos não identificam todas as áreas que seriam afetadas e deixam muitas incertezas. Uma das questões destacadas é a sobrevivência dos grandes bagres da região, entre os quais a dourada.

“É muito difícil prever o que aconteceria com esse peixe”, disse o pesquisador Flávio Lima, em entrevista à Agência Brasil. “Certamente haveria um impacto negativo, mas não se sabe a intensidade.” Segundo ele, os exemplares da dourada crescem no estuário amazônico, na região de Belém, e migram até 3 mil quilômetros rio acima para se reproduzir, desovando em áreas de altitude superior, muitas vezes na Colômbia e no Peru.

“A integridade da Bacia Amazônica parece importante para que os grandes bagres completem seu ciclo de vida, e a dourada praticamente não usa o outro grande tributário do Rio Amazonas, que é o Rio Negro,” comenta Lima. Ele indica o Madeira como “provavelmente o rio da Amazônia mais importante para a pesca, depois do Solimões”.

Lima avalia como incerta a eficiência de mecanismos de transposição de peixes, adotados para garantir o trânsito deles entre as partes do rio a jusante (abaixo) e a montante (acima) de uma barragem. No caso de um canal lateral – a opção prevista no projeto – a efetividade para a subida pode ser “bem razoável”, diz. “O problema maior é a volta, importante especialmente para as ovas e larvas, que são levadas pela correnteza.”

A situação se agrava, alerta o pesquisador, se as barragens regularem a vazão do rio ao longo do ano. “O modelo escolhido [para a usina] é o de fio d’água, que em tese não modifica a vazão natural. Isso é importante, porque rio abaixo existem muitas áreas inundáveis, que fornecem refúgio e alimento para os peixes. Os rios mais produtivos são os que têm áreas como essas.” Ele classifica como “catastrófico” o controle do fluxo de água exercido por usinas como a de Tucuruí, no Rio Tocantins.

O pesquisador analisa como pouco provável a extinção (desaparecimento) de espécies por causa dos dois represamentos projetados para o Madeira, mas opina que ela certamente ocorrerá caso se promova um aproveitamento elétrico intenso, com várias barragens, na região. Cita a hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, outra obra prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Para o cientista, trata-se de intervenções numa região da qual resta muito a conhecer, e onde se identificam, com freqüência, novos tipos de animais e plantas. A seu ver, a discussão deve ir além das implicações econômicas: “A conservação de espécies tem um valor intrínseco. É uma questão ética, moral”.
(Fonte: Pedro Biondi / Agência Brasil)

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